E então ouvi ele me dizer:
Pois que traidores morram, e os honrados, de pé permaneçam
De que adianta a fé, se vai cair de joelhos para o primeiro desafio?
De que adianta a espada, se vai fugir de uma luta?
De que adianta a confiança, se traíra na primeira chance?
E me senti confuso. E era o que ele queria
Livros de Kunor - Quinto Tomo, Capítulo 5, linhas 7-12
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Arion levantou de sua cama e andou até a janela. Seu quarto era bem organizado, com uma enorme estante de mogno cheia de livros e em uma das paredes repousava sua espada: Tempestade de Prata. Sua lâmina era de prata pura, extremamente afiada. Sua empunhadura era em um tom de azul escuro com pequenos fios dourados que se entrelaçavam, lembrando raios em uma tempestade. Em sua cama estava sua esposa, Nahria. Ela se levantou trajando um fino vestido de seda azul e o abraçou, perguntando carinhosamente se ele estava bem. Seus cabelos castanhos caíam sobre seus ombros e e seus olhos, também castanhos, brilhavam apaixonadamente. Ele fez um gesto com a cabeça, indicando que tudo estava bem. Seu silêncio a incomodava. Ele normalmente não era tão quieto assim.
-O que houve, Arion?
-Nada, querida.
-Arion, você não pode mentir pra mim. Você sabe como esse seu silêncio me incomoda. Meu amor, o que você está escondendo? Você está assim desde a revolta.
-Nahria... No dia em que invadi o castelo, um homem tentava matar o rei. Enquanto eu o atacava, a rainha... Ela... Ela tentou protege-lo. Ele ficou desesperada quando o matei e quase a ataquei também.
-Como? - ela perguntou, confusa.
-Acho que a rainha... Está envolvida em algo. Eu não sei.
-O rei precisa saber! - ela disse, preocupada.
-Não, meu amor! Não! Temos que ter certeza.
-É a sua palavra contra a dela. Por que o rei estaria inconsciente se ele estava só com uma Febre Branca*?
-Nada está fazendo muito sentido, na verdade. Lembra que eu disse que lancei o corpo dele pela janela? Ninguém encontrou ele. Nem vivo, nem morto. Como um homem some de um castelo cheio de guardas e totalmente cercado?
Ela puxou uma cadeira de uma mesa próxima e se sentou. Ela sorriu para ele. Seu sorriso o fazia esquecer de tudo. Todos os problemas. Tudo que o preocupava era simplesmente apagado de sua mente. Ele suspirou. Agradeceu aos deuses por ter alguém assim. Ela era linda. Inteligente e divertida. Acima de tudo, ela era sua amiga e o amava. Ele olhou pela janela e sorriu para o céu. Sabia que não importava o que acontecesse, ela estaria com ele.
-Nahria... - ele disse, um pouco envergonhado.
-Sim, meu amor.
-Você se lembra de como nos conhecemos?
-Claro! Você se machucou em uma batalha e eu fui a assistente do médico que te ajudou. Então começamos a nos aproximar depois da guerra. Nossa amizade se tornou isso. E hoje estamos tendo essa conversa. Por que?
-Nada. Eu te amo. - e sorriu.
-Eu também. - e levantou. Ela sorriu de volta e o beijou carinhosamente - Acho que está na sua hora.
-Eu não quero sair daqui. - e a beijou novamente.
-Não! Você vai.
-Vai para algum lugar depois daqui?
-Vou ao templo. Por que?
-Eu vou com você.
-Mas e seus soldados?
-Eu digo que você não está bem e quis ir ao templo e, pra não te deixar sozinha, eu te acompanhei.
-Espero que acreditem.
-Eles vão.
Ele esperou ela se vestir e saíram para o templo, do lado externo da cidade, em uma clareira na Floresta Karten. Todos os caminhos e atalhos para o templo eram protegidos por soldados. Arion e Nahria entraram. Ela se dirigiu até o altar e se ajoelhou diante dele. Nas paredes, cinco estátuas de cada lado, cada uma representando um deus. O altar era de mármore branco adornado com fios de ouro. Ela começou uma prece silenciosa. Ele estava se ajoelhando quanto um homem, enrolado em um manto verde escuro com um capuz na cabeça, entrou e se dirigiu em silêncio para a parte traseira do templo, onde era realizado as oferendas. Assim só poderiam entrar uma, no máximo, duas pessoas, pois era um pequeno quadrado onde na parede oposta se encontrava um archote com um fogo vermelho e o espaço até ele era limitado. O capitão se aproximou do homem, já dentro do pequeno espaço, e tocou o ombro dele.
-Quem é você?
-Eu, capitão Vannhose, sou um homem que você traiu. Sei, não foi uma dica fácil, mas não vim facilitar seu trabalho. Eu dou uma chance de você conseguir sua redenção, diante dos deuses, capitão.
-Pare de enigmas e se apresente.
-Acalme-se. Entenda... Você só é o capitão Vannhose hoje, porque você me traiu. E traiu uma causa justa. Por alguém que, aparentemente, te comprou. Você não é um covarde, então não entendo porque finge ser um. Você desertou de uma guerra para lutar outro.
-Seja lá quem você for. O que quer?
-Te oferecer isto... - ele tirou de dentro do manto dois pequenos pergaminhos, com o selo violado. Ele deduziu que aquilo pertencesse e tivesse sido interceptado, mas não - Aqui está tudo o que você precisa saber. Mas... - disse quando ele ia pegar - Você precisa saber que seu rei corre riscos.
-E vou protege-lo.
-Não esperava outra atitude. Você tem que confiar em mim, Arion.
-Se for para proteger meu rei, eu confio.
-Então saiba que, para protege-lo, você terá que traí-lo. Homens querem tirar o poder dele. Você precisa servir o inimigo.
-Quem é você? Me diga, por favor.
-Promete sua fidelidade? Jura diante dos deuses e dos homens?
-Juro. - e se ajoelhou.
-Desnecessário. Levante-se. Pegue
Ele pegou os pergaminhos e começou a ler.
-De quem são? - perguntou ao terminar.
-Quanto menos souber, por enquanto, melhor. - e tirou o capuz - Desculpe ter aparecido assim.
-Talon? - ele gaguejou e caiu de joelhos.
-Meu nome agora, meu irmão, é Aeon Raven.
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Notas:
*Febre Branca - Uma doença similar a gripe, que deixava o doente de cama por alguns dias e causa um pequeno desconforto. Não é fatal e pode ser tratada com alguns chás de ervas. Tem esse nome porque costuma deixar as vítimas pálidas.